sábado, 29 de outubro de 2011

VIVENDO DIAS DE “OUTRO EVANGELHO”



             Ouvi de um amigo irmão, que na sua “igreja” estavam distribuindo lenços “ungidos” para Deus abrir porta de emprego, realizar curas, solucionar problemas, etc. Bom pelo que eu entendi se você adquirisse o tal “lenço ungido”, por um determinado valor, pois segundo a pessoa era para ajudar na obra de Deus, você seria abençoado.
            Já outro dia escutei um testemunho de um determinado irmão que ele havia sido livrado da morte, em um assalto que sofrera, os meliantes levaram seu veículo e sua mercadoria de trabalho, mas sua vida havia sido poupada, até ai tudo bem, mas para meu espanto o dito irmão continuou o seu “tristemunho” dizendo que na hora do assalto orava dessa forma: “Senhor sou dizimista na sua casa e por isso livra a minha vida da morte...” e agora exortava o povo da igreja “irmãos Deus me livrou da morte porque eu sou um dizimista fiel na casa de Deus, seja dizimista também e Deus vai te livrar...”.
            Meu Deus! Estou realmente preocupado com esse “evangelho” que estamos vivenciando, certamente com a influência do movimento neopentecostal, estamos sendo bombardeados por um “outro evangelho”. Vejamos com calma, a luz das Escrituras, as duas situações acima:
            Na primeira situação estamos presenciando “um evangelho” carregado de misticismo, fetichismo e superstição. O que “um lenço ungido” pode fazer? Jesus nos ensinou que somente na autoridade do seu Nome seriam realizados as grandes obras ou milagres, vejamos: “E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão...”. Atribuir a “um lenço ungido” a realização de alguma benção revela um total desconhecimento bíblico ou um pragmatismo religioso muito praticado no meio neopentecostal, ou seja, a maioria das igrejas, por influência ou não, de uma linha neopentecostal, não estão interessadas se o tal “lenço ungido” é bíblico ou não, mas apenas se esta dando certo ou se a prática esta funcionando dentro do que era “esperado”. O que era “esperado” entendemos o seguinte: Esta entrando dinheiro? Esta enchendo os cultos? Esta atraindo o povo? Se a resposta for positiva, continuaremos a fazer; porém, sem a preocupação do que a bíblica diz, sem a preocupação Escriturística. Usar o texto de At 19.11,12, como alguns fazem, carece de alguns comentários, vejamos: “E Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os espíritos malignos saíam...”. Como verificamos Deus fazia maravilhas através de Paulo e não do “lenço”; além disso, não era Paulo que distribuía ou vendia os lenços, como é feito hoje, mas algumas pessoas levavam os lenços e aventais de Paulo. Na verdade o que esta em foco é a unção de Deus que estava na vida de Paulo e não o objeto (lenço); portanto isso não é um dogma ou doutrina, pois em nenhum lugar nas Escrituras se manda “ungir” lenços ou coisa parecida para curar ou para receber uma bênção qualquer. A exemplo de unção como a do Apostolo Paulo temos o caso do profeta Elizeu, que ao ser tocado por um soldado morto, o ressuscitou. Falando de Unção o único texto neotestamentário que fala da unção com óleo esta em Tg 5.14,15 -  Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor; E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”. Dentro disso podemos considerar o seguinte: primeiro, a unção deve ser solicitada pelo doente; segundo quem tem autoridade para ungir é o presbítero (pastor, ancião, bispo); terceiro, quem cura é a fé, através da oração e não o simples fato da unção; e quarto, a unção era apenas um símbolo da cura, pois pelo costume judaico a unção (passar, friccionar) era utilizada no auxilio das enfermidades e feridas. Em suma, não se vê nos textos neotestamentário ninguém ungindo objetos, coisas, lenços, etc, mas ungindo pessoas, enfermas e pelos presbíteros (somente), quando solicitados pelos doentes. Portanto, não há nenhuma base bíblica (nossa regra de fé e conduta) para distribuirmos ou pior vendermos “lenços ungidos” com promessa de cura ou facilitador de benção. E dizer que isso é só um estimulo para a fé, basta lermos a Palavra de Deus em Romanos 10.17 “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. Logo, o estimulo eficaz e eficiente para ter fé é “ouvir a Palavra de Deus”.
            Na segunda situação o caso é sério, pois substituímos a graça (favor imerecido) de Deus por uma obra (dar o dízimo). Atribuiu-se o favor de Deus, que nos livra pela sua infinita graça e amor, ao simples fato de dizimarmos. Não esta em questão, aqui, o fato de dizimar, que inclusive deve ser feito voluntariamente, não por força de Lei; deve ser feito com alegria, não com tristeza. Agora usar isso como obra meritória, exclui a graça de Deus e vai à contra mão das Escrituras. Na verdade observamos que muitos para forçar uma boa entrada financeira na sua igreja usam argumentos como esses, dizendo aos irmãos que quem dizima esta livre das doenças, dos males, do desemprego, dos assaltos, na pobreza, dos gastos em farmácias, etc, levando os crentes incautos a acharem que porque dizimam passam a ser crente de primeira categoria e privilegiados, portanto isentos de qualquer mal. Porém, como são pessoas cristãs sujeitas também a passarem por tribulações, como disse Jesus “no mundo tereis aflições...” Jo 16.33, certamente passarão por várias tribulações, ou seja, mesmo dizimando: ficarão doentes; terão gastos em farmácias; serão assaltados; serão injustiçados; passarão até por privações financeiras; etc.
            Jesus nos mostra claramente em Lucas 18.9-14: “E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”. O texto deixa bem claro que aquele que quer justificar-se pelas suas obras, ou acha-se que têm mais direitos com Deus, pelas obras que pratica, inclusive dízimos, esta grandemente enganado, porém o que reconhecia seu estado de pecador, não dava dizimo, ou pelo menos não usava isso como algo meritório, saiu justificado e abençoado, pois se valeu, suficientemente, da Graça de Deus e não da sua justiça.
            Devemos irmãos tomarmos cuidado para que a falta de conhecimento sólido das escrituras, no nosso meio evangélico, não acabe nos distanciando dos dois alicerces cristãos básicos, graça e fé. Pois, com o afastamento destes dois alicerces fundamentais do cristianismo, abriu-se uma fenda histórica com a tradição apostólica.
É bom lembrarmos que a Graça impulsionou o cristianismo para tempos mais leves. Foi a Graça que acabou com a lógica retributiva que mostrava Deus como um bedel a exigir penitência. Devido a Graça entendeu-se que a sua ira não precisa ser contida. O cristianismo medieval fora infectado por um paganismo pessimista e, por isso, sobravam espertalhões vendendo relíquias e objetos milagrosos que, segundo a pregação, “garantiam salvação e abriam as janelas da bênção celestial”.
Lutero, um monge agostiniano, portanto católico, percebeu que o amor de Deus não podia ser provocado por rito, prece, pagamento (indulgências) ou penitência. Graça, para Lutero, significava a iniciativa de Deus, constante, unilateral e gratuita, de permanecer simpático com a humanidade. Lutero intuiu que Deus não permanecia de braços cruzados, cenho franzido,  à espera de que homens e mulheres o motivassem a amar. O monge escancarou: as indulgências eram um embuste. Assim, Lutero solapava o poder da igreja que se autoproclamava gerente dos favores divinos.
Passados tantos séculos, o movimento neopentecostal, responsável pelas maiores fatias de crescimento entre evangélicos, abandonou a pregação da Graça. É preciso ressaltar, de passagem, que o conceito da Graça pode até constar em compêndios teológicos, mas não significa quase nada no dia-a-dia dos sujeitos religiosos.
Os neopentecostais retrocederam ao catolicismo medieval. É pre-moderna a religiosidade que estimula valer-se de amuletos “como ponto de contato para a fé”; fazerem-se votos financeiros para “abrir as portas do céu”;  “pagar o preço” para alcançar as promessas de Deus. Desse modo, a magia espiritual da Idade Média se disfarçou de piedade. A prática da maioria dos crentes hoje se concentra em aprender a controlar o mundo sobrenatural. Qual o objetivo? Alcançar prosperidade ou resolver problemas existenciais.
Termino ressaltando as palavras do grande Apostolo Paulo, escritas em Gálatas 1. 6-8 “Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; O qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”.

Sola gratia

Pr Pedro Pereira



           






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