Ouvi
de um amigo irmão, que na sua “igreja” estavam distribuindo lenços “ungidos”
para Deus abrir porta de emprego, realizar curas, solucionar problemas, etc.
Bom pelo que eu entendi se você adquirisse o tal “lenço ungido”, por um
determinado valor, pois segundo a pessoa era para ajudar na obra de Deus,
você seria abençoado.
Já
outro dia escutei um testemunho de um determinado irmão que ele havia sido
livrado da morte, em um assalto que sofrera, os meliantes levaram seu veículo e
sua mercadoria de trabalho, mas sua vida havia sido poupada, até ai tudo bem,
mas para meu espanto o dito irmão continuou o seu “tristemunho” dizendo que na
hora do assalto orava dessa forma: “Senhor
sou dizimista na sua casa e por isso
livra a minha vida da morte...” e agora exortava o povo da igreja “irmãos Deus me livrou da morte porque eu
sou um dizimista fiel na casa de
Deus, seja dizimista também e Deus
vai te livrar...”.
Meu
Deus! Estou realmente preocupado com esse “evangelho” que estamos vivenciando,
certamente com a influência do movimento neopentecostal, estamos sendo
bombardeados por um “outro evangelho”. Vejamos com calma, a luz das Escrituras,
as duas situações acima:
Na primeira situação estamos
presenciando “um evangelho” carregado de misticismo, fetichismo e superstição.
O que “um lenço ungido” pode fazer? Jesus nos ensinou que somente na autoridade
do seu Nome seriam realizados as
grandes obras ou milagres, vejamos: “E estes sinais seguirão aos que crerem: Em
meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas
serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e
porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão...”. Atribuir a “um lenço
ungido” a realização de alguma benção revela um total desconhecimento bíblico ou
um pragmatismo religioso muito praticado no meio neopentecostal, ou seja, a
maioria das igrejas, por influência ou não, de uma linha neopentecostal, não
estão interessadas se o tal “lenço ungido” é bíblico ou não, mas apenas se esta
dando certo ou se a prática esta funcionando dentro do que era “esperado”. O
que era “esperado” entendemos o seguinte: Esta entrando dinheiro? Esta enchendo
os cultos? Esta atraindo o povo? Se a resposta for positiva, continuaremos a
fazer; porém, sem a preocupação do que a bíblica diz, sem a preocupação
Escriturística. Usar o texto de At 19.11,12, como alguns fazem, carece de
alguns comentários, vejamos: “E Deus
pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os
lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades
fugiam deles, e os espíritos malignos saíam...”. Como verificamos Deus
fazia maravilhas através de Paulo e não do “lenço”; além disso, não era Paulo
que distribuía ou vendia os lenços, como é feito hoje, mas algumas pessoas
levavam os lenços e aventais de Paulo. Na verdade o que esta em foco é a unção de Deus que estava na vida de Paulo e não o objeto (lenço);
portanto isso não é um dogma ou doutrina, pois em nenhum lugar nas Escrituras
se manda “ungir” lenços ou coisa parecida para curar ou para receber uma bênção
qualquer. A exemplo de unção como a do Apostolo Paulo temos o caso do profeta
Elizeu, que ao ser tocado por um soldado morto, o ressuscitou. Falando de Unção
o único texto neotestamentário que fala da unção com óleo esta em Tg 5.14,15
- “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros
da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor; E a
oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido
pecados, ser-lhe-ão perdoados”. Dentro
disso podemos considerar o seguinte: primeiro, a unção deve ser
solicitada pelo doente; segundo quem tem autoridade para ungir é o
presbítero (pastor, ancião, bispo); terceiro, quem cura é a fé, através
da oração e não o simples fato da unção; e quarto, a unção era apenas um
símbolo da cura, pois pelo costume judaico a unção (passar, friccionar) era
utilizada no auxilio das enfermidades e feridas. Em suma, não se vê nos textos
neotestamentário ninguém ungindo objetos, coisas, lenços, etc, mas ungindo
pessoas, enfermas e pelos presbíteros (somente), quando solicitados pelos
doentes. Portanto, não há nenhuma base bíblica (nossa regra de fé e conduta)
para distribuirmos ou pior vendermos “lenços ungidos” com promessa de cura ou facilitador
de benção. E dizer que isso é só um estimulo para a fé, basta lermos a Palavra
de Deus em Romanos 10.17 “De sorte que a
fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. Logo, o estimulo eficaz e
eficiente para ter fé é “ouvir a Palavra
de Deus”.
Na segunda
situação o caso é sério, pois substituímos a graça (favor imerecido) de
Deus por uma obra (dar o dízimo). Atribuiu-se o favor de Deus, que nos livra pela
sua infinita graça e amor, ao simples fato de dizimarmos. Não esta em questão,
aqui, o fato de dizimar, que inclusive deve ser feito voluntariamente, não por
força de Lei; deve ser feito com alegria, não com tristeza. Agora usar isso
como obra meritória, exclui a graça de Deus e vai à contra mão das Escrituras.
Na verdade observamos que muitos para forçar uma boa entrada financeira na sua
igreja usam argumentos como esses, dizendo aos irmãos que quem dizima esta
livre das doenças, dos males, do desemprego, dos assaltos, na pobreza, dos
gastos em farmácias, etc, levando os crentes incautos a acharem que porque
dizimam passam a ser crente de primeira categoria e privilegiados, portanto
isentos de qualquer mal. Porém, como são pessoas cristãs sujeitas também a
passarem por tribulações, como disse Jesus “no
mundo tereis aflições...” Jo 16.33, certamente passarão por várias
tribulações, ou seja, mesmo dizimando: ficarão doentes; terão gastos em
farmácias; serão assaltados; serão injustiçados; passarão até por privações
financeiras; etc.
Jesus nos mostra claramente em Lucas 18.9-14: “E
disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram
justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé,
orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os
demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.
Jejuo duas vezes na semana, e dou os
dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe,
nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus,
tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para
sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será
humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”. O texto deixa bem claro que aquele
que quer justificar-se pelas suas obras, ou acha-se que têm mais direitos com
Deus, pelas obras que pratica, inclusive dízimos, esta grandemente enganado,
porém o que reconhecia seu estado de pecador, não dava dizimo, ou pelo menos não
usava isso como algo meritório, saiu justificado e abençoado, pois se valeu,
suficientemente, da Graça de Deus e não da sua justiça.
Devemos
irmãos tomarmos cuidado para que a falta de conhecimento sólido das escrituras,
no nosso meio evangélico, não acabe nos distanciando dos dois alicerces
cristãos básicos, graça e fé.
Pois, com o afastamento destes dois alicerces fundamentais do
cristianismo, abriu-se uma fenda histórica com a tradição apostólica.
É bom lembrarmos que a
Graça impulsionou o cristianismo para tempos mais leves. Foi a Graça que
acabou com a lógica retributiva que mostrava Deus como um bedel a
exigir penitência. Devido a Graça entendeu-se que a sua ira não precisa ser
contida. O cristianismo medieval fora infectado por um paganismo pessimista e,
por isso, sobravam espertalhões vendendo relíquias e objetos milagrosos
que, segundo a pregação, “garantiam
salvação e abriam as janelas da bênção celestial”.
Lutero, um monge
agostiniano, portanto católico, percebeu que o amor de Deus não podia ser
provocado por rito, prece, pagamento (indulgências) ou penitência. Graça,
para Lutero, significava a iniciativa de Deus, constante, unilateral e
gratuita, de permanecer simpático com a humanidade. Lutero intuiu que Deus não
permanecia de braços cruzados, cenho franzido, à espera de que homens e
mulheres o motivassem a amar. O monge escancarou: as indulgências eram um
embuste. Assim, Lutero solapava o poder da igreja que se
autoproclamava gerente dos favores divinos.
Passados tantos séculos, o
movimento neopentecostal, responsável pelas maiores fatias de crescimento
entre evangélicos, abandonou a pregação da Graça. É preciso
ressaltar, de passagem, que o conceito da Graça pode até constar em compêndios
teológicos, mas não significa quase nada no dia-a-dia dos sujeitos religiosos.
Os neopentecostais retrocederam
ao catolicismo medieval. É pre-moderna a religiosidade
que estimula valer-se de amuletos “como ponto de contato para a fé”; fazerem-se votos financeiros
para “abrir as portas do céu”; “pagar o preço” para alcançar as
promessas de Deus. Desse modo, a magia espiritual da Idade Média se disfarçou
de piedade. A prática da maioria dos crentes hoje se concentra
em aprender a controlar o mundo sobrenatural. Qual o objetivo? Alcançar
prosperidade ou resolver problemas existenciais.
Termino ressaltando as palavras do grande Apostolo Paulo,
escritas em Gálatas 1. 6-8 “Maravilho-me
de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para
outro evangelho; O qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem
transtornar o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”.
Sola gratia
Pr
Pedro Pereira